RENDA DE BILROS DE PENICHE
A ORIGEM DA RENDA DE BILROS
Não é conhecida a origem da renda de bilros. Sabe-se que povos muito antigos usavam tecidos cujo aspecto se assemelhava a renda e que se presume fossem elaborados de forma semelhante à renda actual. Admite-se que os Fenícios podem ter sido agentes divulgadores das rendas, através das suas trocas comerciais e, portanto, também ao longo da costa marítima portuguesa, onde estabeleciam contactos priviligiados. Outra corrente afirma terem chegado ao nosso país através dos contactos com o norte da Europa, onde a arte apareceu nos seus principais portos.
DEFINIÇÃO E EXECUÇÃO
É um trabalho formado pelo cruzamento sucessivo ou entremeado de fios texteis, executado sobre o pique e com a ajuda de alfinetes e dos bilros. O pique é um cartão, normalmente pintado da cor açafrão para facilitar a visão por parte da executante, onde se decalcou um desenho, feito por especialistas e em papel quadriculado, cuja origem está na criatividade da autora, que por vezes recorre à estilização de objectos naturais como as flores e animais. Os alfinetes fixam o trabalho ao pique e são colocados em furos estrategicamente efectuados no desenho base. O bilro é um artefacto de madeira em forma de pera alongada onde é enrolada a linha (fio textil) que vai sendo descarregada à medida que o trabalho avança. Todo o trabalho é executado com o auxílio de uma almofada cilindrica, onde é fixado o pique, que, por sua vez, está pousada sobre um banco de madeira cuja forma permite a fácil alteração da posição da almofada, que roda sobre si, enquanto permita uma posição cómoda a quem executa.
A SUA HISTÓRIA
Indefinida que está a sua origem resta apurar a data do seu aparecimento no nosso país e, como tal, consta que a primeira vez que se falou na palavra renda, entre nós, terá sido no reinado de D. Sebastião em 1560.
No reinado de D. João V o país foi inundado e influenciado pelas rendas com origem na Flandres, dado que o protocolo da corte obrigava ao uso das rendas flamengas, facto que veio prejudicar o desenvolvimento das nacionais. Esta situação originou a reveolta das rendeiras nortenhas que enviaram o seu protesto, perante o rei, através da vila-condense Joana Maria de Jesus, que conseguiu permissão para o uso das rendas nocionais em lenços, lençóis, toalhas e outro bragal de casa, continuando proibido o seu uso pessoal. As rendas nacionais foram libertadas destas peias em 1751, no reinado de D. José, passando a poder ser usadas na roupa branca de uso das pessoas, toalhas, lençóis e outras alfaias da casa. Porém a entrada na capital das rendas feitas no resto do país era sujeita ao acompanhamento de guias passadas pelos escrivães das câmaras, embora, pelo facto de na sua feitura se empregarem somente pessoas pobres, estivessem isentas de impostos.
E foi assim que na classificação das rendas se passou a denominar de aristrocáticas, hoje em Peniche chamadas eruditas, aquelas que imitam as estrangeiras por serem mais elaboradas e utilizando linhas finas, e as populares que são aquelas que tradicionalmente sempre foram feitas pelo povo.
"ONDE HÁ REDES HÁ RENDAS" e Peniche não foi excepção, como não foram quase todas as povoações do litoral onde se desenvolve actividade piscatória. Num livro publicada em 1865 pelo então capitão do porto Pedro Cervantes de Carvalho Figueira refere-se que umas senhoras, que na época contavam mais de oitenta anos, afirmavam que a sua tia/avó lhes mostrava piques das rendas que tinha feito em menina, o que atesta que as rendas, em Peniche, já se faziam em meadoa do século XVIII. PRESERVAÇÃO DA RENDA DE BILROS EM PENICHE
Consta que em 1836 a mulher do Conde de Casal (que aqui se encontrava como governador da praça), analizando as rendas grosseiras que aqui se faziam, entendeu que, se se usassem materiais mais delicados, como linhas mais finas e desenhos elaborados, seria possível obter produto de melhor qualidade. Com o auxílio de um engenheiro em serviço na praça pôs em acção o seu plano, do que resultou sensível melhoria da qualidade, o que permitiu que as nossas rendas fossem premiadas em eventos internacionais logo nos anos de 1851 (Paris e Londres), 1857 e 1861 (Porto), 1872 (Viena de Áustria) e 1878 (Paris).
Em 1887 foi criada a Escola Industrial D. Maria Pia com uma secção de rendeira, que deu continuidade ao rejuvenescimento encetado em 1836. Foi sua primeira directora a D. Maria Augusta Bordalo Pinheiro que impulsionou o artesanato através da criação de novos e perfeitos desenhos. Assim as nossas rendas voltaram a ser premiadas em 1889 (Paris), 1893 (Belém) e 1895 (Paris).
Da Escola Industrial D. Maria Pia resultou a Escola Josefa de Óbidos, posteriormente denominada Escola Industrial de Peniche e entretanto a sua actividade passou a integrar a Escola Secundária de Peniche, onde hoje nada existe sobre rendas e o seu espólio acabou por ser desbaratado.
Toda a actividade destas escolas foi formando pessoas que aprenderam a arte de desenhar, elaboração de piques e manufactura de renda, dependendo da sua capacidade criativa a preservação da qualidade das rendas de bilros de Peniche.
Paralelamente à actividade destas escolas existiu a Casa de Trabalho das Filhas dos Pescadores, que estava na dependência da Casa dos Pescadores e que, ao longo de quatro décadas, constituiu uma forma de assistência às filhas dos pescadores, com base nos ensinamentos ministrados, entre os quais a renda, e de um pequeno salário base.
Também a paróquia, por iniciativa de Monsenhor Bastos, em fase crítica da produção de rendas, criou uma oficina de rendas junto do Lar de Santa Maria.
Finalmente a Câmara Municipal de Peniche, em Setembro de 1987, abriu uma Escola de Rendas, que se encontra a funcionar com a frequência de adultos e crianças.
Por iniciativa particular de um grupo de interessados na preservação das rendas de Peniche foi fundada em Setembro de 1994 a Associação Peniche Rendibilros, com o objectivo de preservar e promover a aprendizagem e divulgação das rendas de Peniche.
A REALIDADE ACTUAL
Observa-se, neste momento, o renascer do interesse pelas rendas, mercê do apoio que tem sido prestado pela nossa autarquia, como contrapartida do desinteresse do Governo Central que retirou o curso das rendas das escolas oficiais, mantendo a escola referida, promovendo concursos anuais e instituindo a semana da renda, onde se salienta a passagem de modelos com aplicações de renda em vestuário, terminando com o Dia da Rendilheira como acção pública de divulgação e promoção das rendas.
Nota- Este post foi elaborado com base em consultas aos livros "PENICHE NA HISTÓRIA E NA LENDA" do Snr Dr. Mariano Calado e "BORDADOS E RENDAS DE PORTUGAL" do Snr. Dr. Manuel Maria de Sousa Calvet de Magalhães.